Thursday, November 8, 2007

amor em partes desiguais I

-"É verdade que ela acabou com ele?"
-"É... e ainda bem! Aquilo já não lhe andava a fazer nada bem. Eu sempre disse que eles não tinham nada a haver um com o outro."


(...)


Do outro lado da parede, deitada de lado na cama, ouvia tudo o que elas diziam, mas não conseguia fazer nada mais que ignorar a conversa e espreguiçar-se lentamente.
Yep, nada. Em todo o quarto não existia já nenhum vestígio dele. Roda e olha o tecto esboçando um sorriso amargo. A lembrança dele a implicar pelo modo aparatoso com que se espreguiçava assaltou-lhe a mente como flash. Por muito que limpe, esfregue, arrume, destrua e se arrependa, há coisas que não dá para apagar. Tatuagens de alma. Momentos que irão sempre ficar. As memórias. As imensas memórias que tem de todos os momentos que com ele partilhou durante anos. Não está furiosa com ele, essa raiva foi-se com o estilhaço das muitas fotos emolduradas que quebrara naquela noite.... Mas também já não está destroçada. Talvez magoada com ela própria, por ter prolongado uma imagem pensada que já nada tinha de magia, e sem a qual já não se imaginava a viver sem. Sempre o conhecera. Apaixonarem-se tinha sido a coisa mais natural do mundo. Namorar, viver... foi algo que não decidiram, acontecera. Não o procuraram. A paixão veio e com ela o desejo de amor e algo em comum, tudo numa naturalidade infantil, como um puto que não sabe andar de bicicleta mas de repente dá por si sentado numa e sem dar por ela, pedalou e agora percorre as ruas como se sempre o tivesse feito. É estranho não esperar a chamada de bom dia e a de boa noite. Nºao ter aquela rotina fixa, marcada, pontual. Organizar uma agenda sem ter em conta o outro elemento. E aqueles silêncios... a telepatia de quem já se conhece e cujo silêncio longo é cómodo, porque é a única pessoa com a qual conseguimos ter esse desplante de nada pronunciar. É estranho pensar num Si, sem ter de o conjugar com um Ele.

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